Chegou a hora de debater os limites de preços no mercado de energia

Em 15 de maio de 2019, na FIESP em São Paulo (SP), será realizado um Workshop Internacional para discutir o tema e colher as visões dos agentes, previamente à abertura do processo formal de Audiência Pública

 

 

 

 

ELISA BASTOS, DA ANEEL - Diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica

A ANEEL chega a 2019 com o desafio de propor um debate sério e corajoso sobre os limites de preços no mercado de energia. Um tema fundamental para o desenvolvimento do mercado de energia elétrica que vai exigir de todos os agentes do setor o esforço de repensar modelos, questionar práticas e, especialmente, o compromisso com o melhor resultado para o sistema.

Com o apoio do Ministério de Minas e Energia (MME), a ANEEL cumprirá seu dever institucional observando os princípios da transparência e equilíbrio, abrindo um diálogo franco com os interessados e aplicando a melhor técnica sobre o assunto. Nesse sentido, em 15 de maio de 2019, na FIESP em São Paulo (SP), será realizado um Workshop Internacional para discutir o tema e colher as visões dos agentes, previamente à abertura do processo formal de Audiência Pública. O objetivo deste evento é ouvir o mercado e já criar um primeiro ambiente para discussões técnicas, de forma que, em 2020, o Brasil possa ter limites de preço que assegurem eficiência de mercado, melhor sinal econômico e menor risco sistêmico.

A definição dos limites de preço no mercado de energia elétrica é atribuição do Regulador. Este assunto é tema da Agenda Regulatória 2019-2020 da Agência, que prevê o aperfeiçoamento da regulamentação dos limites mínimo e máximos do PLD, em 2019. Atenta à sua missão de proporcionar condições favoráveis para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade, a ANEEL busca garantir que qualquer modificação nos limites de preço guarde coerência com o conjunto de instrumentos e incentivos do marco regulatório.

A teoria microeconômica aplicada ao setor elétrico, desenvolvida em 1998 por Fred Schweppe do MIT , e que foi a base para o arcabouço conceitual dos mercados de energia elétrica, garante que o preço de equilíbrio do mercado incentiva a expansão da oferta de forma eficiente e com o portfólio adequado de geração de energia.

Duas hipóteses básicas desta “garantia” são: (i) o consumidor responde ao preço, ou seja, há incentivo econômico para redução de consumo nas situações de escassez de oferta de energia, e (ii) o preço pode aumentar indefinidamente, de forma que a escassez seja valorada corretamente e os geradores capturem esta renda para pagar seus investimentos, incentivando a entrada no sistema de toda a geração disponível.

Na prática, a primeira hipótese hoje ainda é muito restrita, pois o preço do atacado ao varejo para o consumidor final é muito limitado, e mais ainda é sua capacidade de resposta. Já a segunda hipótese, de que o preço pode aumentar indefinidamente, não é praticada na maioria dos mercados de energia elétrica que, ao contrário, estabelece um teto de preço, um limite máximo que não pode ser superado.

Em mercados onde a formação do preço se dá por oferta dos agentes, usualmente em leilões com um dia de antecedência, a motivação da utilização de um limite máximo de preço é a construção de uma “linha de defesa” para coibir o eventual abuso do poder de mercado por geradores que detêm e podem controlar parcela significativa da oferta. No caso de mercados com base em despacho “por custo”, cujo preço é obtido a partir de modelos computacionais, o exercício de poder de mercado pelos agentes econômicos é mais limitado, pois eles não são capazes de controlar sua produção de energia elétrica. Entretanto, em quaisquer dos dois tipos de mercados, a limitação do preço também é vista como ferramenta para controlar o risco associado à exposição financeira a preços muito elevados por longos períodos.

Em países cuja geração é predominantemente termelétrica, os eventos de escassez típicos duram algumas horas, o que eleva pelo mesmo tempo os preços da energia elétrica. Contudo, em sistemas com predominância hidráulica, como no Brasil, eventos severos podem durar meses, pois dependem da hidrologia. A consequência são preços altos por longos períodos no mercado.

Além disso, diferentemente de sistemas onde a expansão se dá como resposta ao preço, o Sistema Interligado Nacional (SIN) tem sua expansão lastreada em contratos de longo prazo, que garantem a financiabilidade da implantação das usinas, servindo como recebível dos financiamentos. Entretanto, quando o gerador está contratado e não é capaz de entregar a energia devido a eventos de hidrologia severa, ficará exposto ao preço do mercado. O mesmo acontece com as usinas termelétricas, quando se encontram indisponíveis por manutenção ou paradas forçadas; e, no médio prazo, quando as usinas eólicas e solares não geram a energia contratada sazonalmente. E no caso de hidroelétricas, quando sua produção é inferior aos contratos, sendo que estes eventos tendem a coincidir com a ocorrência de secas rigorosas e, portanto, de preços elevados.

Como os eventos severos tendem a apresentar maior duração, o impacto econômico e financeiro acumulado para os agentes é muito maior – sobretudo para agentes hidroelétricos – mesmo com preços teto menores dos que os praticados em sistemas puramente termelétricos. Por comparação, o atual preço teto estabelecido no Brasil de R$ 513,89 /MWh (USD 130.00/MWh), que corresponde ao custo variável mais alto da termelétrica a gás natural com contrato regulado, é considerado baixo para padrões internacionais.

Além do limite máximo, o preço do mercado de energia elétrica no Brasil também é limitado por um piso. Em alguns mercados internacionais permite-se que o valor deste piso possa ser inclusive negativo.

No Brasil, o piso do preço do mercado foi fixado inicialmente pela ANEEL, com base nos custos marginais das usinas hidrelétricas. Tais custos são compostos pela soma da compensação paga pelo uso dos recursos hídricos e o O&M incremental regulatório. Com o passar do tempo, a ANEEL adotou o custo marginal da usina de Itaipu, cuja produção de energia elétrica sempre foi necessária para atendimento do consumo, mesmo em situações de abundância de oferta, e cujo custo marginal está fixado em tratado internacional.

Finalmente, em 2014, uma última modificação foi realizada e o preço piso passou a considerar o maior valor entre o custo marginal da usina Itaipu e a Receita Anual de Geração (RAG) das usinas hidrelétricas em regime de cotas nos termos da Lei nº 12.783/2013, excluídos os valores relacionados à remuneração e reintegração de investimentos e adicionada a estimativa de compensação financeira pelo uso dos recursos hídricos. Com base nesta regra, para 2019 o preço mínimo está estabelecido em R$ 42,35/MWh.

Quando se adota limite máximo de preços aplicado a todo o mercado, há situações em que o custo marginal de geração no sistema é superior ao preço teto. Nestes casos, o consumidor paga a essa geração o montante não arrecadado pelo mercado via Encargo de Serviço de Sistema (ESS) e pode não ter a sinalização econômica correta para o deslocamento, ou mesmo o recolhimento da demanda nas situações possíveis. Já em situações em que o custo da geração no sistema é inferior ao preço piso, os agentes expostos ao Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que podem ser tanto geradores quanto consumidores, arcam com esse montante a maior e, também, não tem a sinalização econômica correta. Logo, a transferência de renda e os pagamentos, que estão envolvidos na definição dos limites de preço, tratam de questões sensíveis do setor elétrico brasileiro, especialmente da alocação de riscos entre agentes no setor.

Este debate não é trivial, pois um piso elevado aumenta a previsibilidade de receita no mercado de curto prazo, mas diminui o sinal econômico. Já um teto baixo reduz o risco sistêmico, porém degrada o sinal econômico e aumenta custos implícitos pagos via encargos. E vice-versa.

A discussão deste tema no Brasil se torna mais oportuna (i) pelo fato de que a geração hidroelétrica vem sofrendo há alguns anos com o risco hidrológico, tendo o preço teto papel fundamental para redução do risco sistêmico, com consequente reflexo nos encargos, e (ii) devido à iminente migração para uma formação de preços com maior granularidade temporal, o que leva à questionamentos sobre como o preço horário afetaria a definição do preço teto.

Embora tais limites de preço estejam mais explícitos na contabilização e liquidação do mercado, eles também têm um papel implícito fundamental nas atividades de planejamento, operação e contratação de energia elétrica. Além disso, é necessário manter a coerência entre eventual alteração nos limites de preço e todos os objetivos do modelo setorial, sem impactar a contratação de energia nova e sem onerar agentes prudentes que buscam um hedge na contratação de longo prazo.

Neste contexto, é conveniente e relevante que a discussão para eventual aperfeiçoamento das regras dos limites de preços no Brasil seja realizada neste momento. Deve ser encontrado, portanto, um compromisso entre sinalização econômica e redução do risco sistêmico, considerando critérios objetivos para seu cálculo e atualização, conferindo a previsibilidade adequada aos agentes.

Elisa Bastos Silva é Diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Formada em Análise de Sistemas com Mestrado e Doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Faculdade de Engenharia Mecânica na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), há 14 anos atua no setor elétrico brasileiro tendo em seu currículo passagem pela Assessoria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Companhia Energética de Goiás (Enel Goiás).