Estímulos para ampliar a geração

Num ambiente de contratação mais favorável, setor teria potencial para dobrar sua capacidade de cogeração para 28,4 GW


Por Lauro Veiga Filho – Valor Setorial Energia


Num mundo ideal, a biomassa poderia quase dobrar sua capacidade de geração, saltando de 14,9 gigawatts para algo próximo a 28,4 GW, o dobro da capacidade da hidrelétrica de Itaipu. Os estudos da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), conforme seu presidente-executivo, Newton Duarte, e o diretor de tecnologia e regulação Leonardo Caio Filho, mostram que perto de 12 GW, pouco mais de 40% da geração potencial, poderiam vir da biomassa florestal, utilizando terras já disponíveis.

A energia do biogás, produzido a partir dos 360 bilhões de toneladas de vinhaça obtidas no processo de moagem da cana, poderia acrescentar mais 2,4 a 2,5 GW. “Com o estímulo do RenovaBio”, afirma Duarte, “a produção de etanol tende a aumentar de 30 bilhões para 50 bilhões de litros até 2030, o que exigirá a moagem de mais 200 milhões de toneladas, um terço a mais comparando com a safra de 2018”. O avanço, se vier a ocorrer, agregaria mais 4 GW à capacidade atual de geração do setor, mais 35%.

A realidade mostra, no entanto, que o setor e o governo terão que empreender esforços para destravar esse mercado e abrir caminho para o avanço de geração baseada na biomassa. Em 2018, lembra Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), incluindo todas as fontes, a biomassa injetou no sistema integrado 26.345 gigawatts/hora, mais 3,4% ante 25.482 GWh vendidos à rede em 2017. As vendas de energia do setor sucroalcooleiro andaram de lado, variando apenas 0,2% no ano passado, de 21.444 para 21.492 GWh, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

O trabalho para tentar construir um ambiente de contratação mais favorável reuniu Unica, Cogen, Raízen e consultorias. Nas negociações com o Ministério de Minas e Energia (MME), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), afirmam Souza, Duarte e Caio Filho, foram apresentadas mais recentemente duas sugestões, a primeira envolvendo a realização de um leilão para contratação de energia de reserva ainda neste ano, explorando a capacidade instalada. 

Segundo Souza, o setor propõe ainda uma revisão da metodologia de cálculo da garantia física, que determina o volume de energia que cada fonte consegue gerar, de forma a assegurar uma oferta adicional de energia, estimada entre 20% e 30% sobre os volumes entregues pelo setor ao sistema integrado, sem necessidade de qualquer investimento adicional.

“Desenvolvemos o critério de geração verificada, que permitiria às fontes de geração incentivada vender toda a energia gerada durante cinco anos”, detalha Caio Filho. O sistema seria opcional para as fontes geradoras, mas permitiria ao setor escapar do famigerado Preço de Liquidação de Diferenças (PLD).

O mecanismo de liquidação no mercado de curto prazo emperrou, bloqueado por uma centena de liminares que têm dispensado as hidrelétricas do pagamento da energia que foram forçadas a comprar no mercado spot para suprir seus contratos de fornecimento. O tamanho desse passivo já se aproxima de R$ 7,62 bilhões, segundo a CCEE, dos quais R$ 500 milhões, estima Souza, são devidos ao setor de biomassa de cana.

A despeito dessas dificuldades, as perspectivas para o mercado de contratação livre, destino de 76% da energia comercializada pelo setor de biomassa, parecem mais promissoras, notadamente a partir de julho próximo, aponta Guilherme Zimmer, superintendente comercial da Electra Energy, comercializadora independente de energia. Naquele mês, consumidores com carga de até 2,5 mil quilowatts estarão liberados para comprar energia de qualquer fonte, o que tenderá liberar maior lastro (geração efetiva) de energia de biomassa para o ambiente de contratação livre.

Consolidada como parte da estratégia de negócios do grupo, a cogeração de energia elétrica poderia ser ampliada em pelo menos 10% sem investimento adicional, afirma Francis Vernon Queen, vice-presidente de etanol, açúcar e bioenergia da Raízen, joint-venture entre Cosan e Shell. Com capacidade instalada para 979 MW, suficientes para abastecer anualmente uma cidade do tamanho do Rio de Janeiro, 24 entre as 26 plantas do grupo produzem toda a energia que consomem e, dessas, 15 usinas exportam uma geração excedente que flutua entre 2,0 a 2,6 GWh.

Mas o parque industrial da Raízen está limitado em sua capacidade de cogeração pela metodologia adotada pelo MME para fixar a energia física que cada uma das unidades do grupo está autorizada a negociar no mercado. “Vimos o mercado como um todo perder 8% de sua garantia física entre 2017 e 2018. Estamos conversando com os órgãos responsáveis para trazer mais energia para o sistema”, diz Vernon.

A empresa trabalha na conclusão do projeto de produção de energia a partir do biogás na unidade de Bonfim, em Guariba (SP), que exigiu investimento estimado pelo mercado em R$ 153 milhões. A planta, resultado de joint venture entre a Raízen e a Geo Energética, produzirá energia a partir da queima de biogás proveniente do processamento de vinhaça e de torta de filtro, rejeitos da moagem de cana, e terá capacidade nominal para 21 MW.

Dona da marca Guarani, terceira maior produtora de açúcar do país e segunda maior no mundo, a francesa Tereos concluiu em 2015 um investimento de R$ 1 bilhão em cogeração. “Além da própria cogeração, trocamos caldeiras, fizemos melhorias no processo para economizar vapor e ter maior disponibilidade de bagaço, além de investimentos em aumento de área, porque ampliamos a moagem também”, afirma Jacyr Costa Filho, diretor da Região Brasil do Grupo Tereos.

Em suas sete plantas na região noroeste de São Paulo, o grupo produz anualmente em torno de 1,5 mil gigawatts/hora, dos quais perto de 30% são destinados a assegurar a autossuficiência das plantas e perto de 70% são exportados para o sistema integrado, somando perto de mil GWh.. Para Costa Filho, parte da produção está negociada em contratos de vários prazos de vencimento, “o que já nos traz algum conforto”. A Tereos realiza investimentos complementares, no valor de R$ 174,2 milhões, na planta de Cruz Alta, em Olímpia (SP), para uma nova termelétrica, incluindo uma caldeira, dois turbogeradores, circuitos de alimentação e casa de força.

No mercado de cogeração desde 2000, a Biosev aumentou as vendas de energia elétrica para o sistema integrado em 25%, para 1,6 GMh nos primeiros nove meses da safra 2018/19 (abril a dezembro do ano passado), segundo Juan José Blanchard, presidente da companhia. A empresa possui capacidade de cogeração de 1.346 GWh, parte da produção atende o consumo interno e a energia excedente é comercializada no mercado.

A produtividade das unidades de cogeração avançou em torno de 2,6% nos nove meses iniciais da safra passada, alcançando 32,1 quilowatts/hora por tonelada. Apenas no terceiro trimestre do ano fiscal (outubro a dezembro de 2018), diz Blanchard, a produtividade cresceu 7,5% em relação ao mesmo intervalo de 2017, passando a 33,8 KWh por tonelada de cana.

Maior exportador de papel para embalagem no país, o grupo Klabin avalia um projeto para ampliar sua capacidade de cogeração em quase 28%, agregando mais 145 MW à potência outorgada atual, próxima de 517 MW, diz Júlio Nogueira, gerente de sustentabilidade e meio ambiente da empresa. Em fase de definição, o projeto deverá exigir a instalação de mais um turbogerador, uma caldeira de força e outra de recuperação.

Nos últimos 12 anos, a Klabin investiu em torno de R$ 2,3 bilhões apenas em cogeração, o que envolveu melhorias de sistemas e processos, a instalação de caldeiras e turbogeradores, além da ampliação da produção. Em 2018, as 18 unidades do grupo, uma das quais instalada na Argentina, produziram 1,7 milhão de toneladas de papel e 1,45 milhão de toneladas de celulose.

A energia produzida a partir de resíduos de madeira e de licor negro, diz Nogueira, atende pouco mais de 69% do consumo total das plantas no país, que somou 3,9 milhões de MWh em 2018, dos quais 69%, ou 2,7 milhões, vieram da cogeração. Em operação desde 2016, a unidade Puma, em Ortigueira (PR), com capacidade para 1,5 milhão de toneladas de celulose, gera mais energia do que consome e vendeu ao sistema 888 mil MWh em 2018.

A partir deste ano, a nova Suzano, criada em janeiro deste ano como resultado da fusão entre a Suzano Papel e Celulose e a Fibria, adianta o gerente executivo de energia da empresa, Paulo Henrique Squariz, vai suprir sua demanda interna de energia elétrica com a cogeração, considerando uma capacidade instalada de 1,2 GW. A cogeração deverá alimentar as dez fábricas espalhadas pelas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, incluindo a joint operation Veracel. O grupo opera com capacidade para 10,9 milhões de toneladas de celulose e 1,4 milhão de toneladas de papel por ano. Além de permitir autossuficiência e estabilidade no suprimento ao longo do ano, a cogeração “evita risco de exposição à volatilidade de preços” e reforça a sustentabilidade ambiental do investimento, com redução de emissões de carbono e de gases do efeito estufa.