Modernização do setor elétrico traz novo papel a distribuidoras

A maior migração prevista para o ambiente livre deve alavancar atuação de comercializadoras e transformar concessionárias em prestadoras de serviços de infraestrutura

Linhas de transmissão: tarifa binômia separa consumo do investimento

Linhas de transmissão: tarifa binômia separa consumo do investimento

FOTO: DREAMSTIME

RICARDO CASARIN - SÃO PAULO - 03.04.18 5:07 AM

A modernização do setor elétrico deverá alterar o papel das distribuidoras de energia. Especialistas creem que a maior migração ao mercado livre transformará concessionárias em prestadoras de serviços de infraestrutura para garantir reserva de capacidade.

“Estamos diante de uma nova era em que as distribuidoras vão prover aos consumidores seguros de energia elétrica para suprir necessidades eventuais”, projeta o presidente-executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton Duarte.

A distribuidora tem o papel de comprar energia da geradora e entregar ao consumidor cativo. Esses contratos são firmados através de leilões de energia e são de longo prazo, entre 15 e 30 anos. Já no ambiente de livre negociação, o consumidor pode negociar diretamente a compra e venda de energia com o gerador, ou por intermédio das comercializadoras.

Com a expansão desse mercado, a operação das distribuidoras será impactada. “As distribuidoras vão gradualmente reduzir sua atuação como compradora de energia através de leilões. O foco será atuar de forma mais eficaz em seu trabalho principal, que é o fio”, afirma o analista de mercado da Safira Energia, Lucas Rodrigues.

O presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, compartilha uma visão parecida. “O papel de comercializar energia não traz ganho nenhum para a distribuidora. Elas irão focar em seu negócio de operação de rede e manutenção de ativos para realizar o transporte de energia até o consumidor.”

Para especialistas, essa transformação deve ser acompanhada da tarifa binômia, que separa a cobrança do consumo de energia dos investimentos de infraestrutura para que a distribuidora seja corretamente remunerada.

“No ato da compra de energia, vai haver liberdade de negociação. Mas todo mundo vai pagar pela infraestrutura do fio”, explica o presidente da Comerc Energia, Cristopher Vlavianos.

Atualmente, o consumo de energia corresponde a cerca de um terço da tarifa. O restante é composto pelo fio e tributos. A proposta da tarifa binômia está sendo discutida na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A previsão é que seja aberta uma audiência pública sobre o tema no segundo semestre de 2018 e a votação aconteça no próximo ano.

“Quando houver a separação de energia do fio, o consumo será pago diretamente para o gerador”, aponta o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri. “Isso vai garantir o investimento para distribuição. O conceito para a migração do mercado livre é na energia. O serviço do fio será sempre cativo.”

A maior abertura do mercado de energia é um dos pontos abordados pelo projeto de lei elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O texto prevê a inclusão gradativa de todos os consumidores de alta e média tensão no ambiente de contratação livre até janeiro de 2026.

“Essa transformação não vai ocorrer de uma hora pra outra”, ressalta Rodrigues. “O PL não abre para consumidores de baixa tensão, mas estipula que o tema seja discutido até 2022. Até lá, as distribuidoras seguem atendendo esse consumidor cativo.”

Geração distribuída

Outro elemento que irá impactar a atuação das distribuidoras é a geração distribuída (GD), quando o consumidor gera sua própria energia elétrica a partir de uma fonte renovável e conecta diretamente à rede de distribuição local.

“A geração distribuída vai acontecer, é inevitável. É preciso fazer a implantação da tarifa binômia para todos pagarem pela infraestrutura e garantir investimentos na construção de empreendimentos de distribuição”, declara Leite.

Altieri vê a ampliação da GD como uma tendência mundial. “Mas nenhum consumidor vai se desligar da rede sem ter uma reserva de capacidade.”

É nesse contexto que as distribuidoras passariam a fornecer um serviço de seguro de energia, para abastecer necessidades ocasionais de energia, como em caso de equipamentos danificados ou consumo acima do volume contratado.

“O consumidor paga apenas o fio, não a energia, mas pode escolher contratar um seguro de fornecimento junto aos geradores”, indica Duarte.

Altieri acredita que a geração distribuída beneficia as distribuidoras ao tornar desnecessários investimentos em ampliação de rede. “Um condomínio coloca em operação um processo de geração a gás e evita esse gasto da distribuidora, que pode focar na melhora da qualidade do serviço.” Leite aponta que esses investimentos se dariam em novas tecnologias e redes mais inteligentes. “Com o tempo, serão agregados novos serviços, mudando o perfil de operadora de rede para prestação de serviços.”

Duarte também destaca que as distribuidoras terão maior liberdade de contratação de energia. “Em um leilão, a distribuidora não sabe de onde está comprando. Pode ser que seja de uma geradora distante e exija investimentos em linhas de transmissão. Comprar da geração distribuída permite uma logística mais interessante.”

Entenda o Caso

No modelo atual, a distribuidora compra energia da geradora e entrega ao consumidor do mercado cativo. Esses contratos são firmados através de leilões de energia e são de longo prazo, entre 15 e 30 anos. O consumidor paga energia, fio e tributos na tarifa. Já no mercado livre, o consumidor pode negociar diretamente a compra e venda de energia com o gerador, ou por intermédio das comercializadoras. Consequentemente, a distribuidora passaria a atuar como prestadora de serviços de infraestrutura e fornecedora de reserva de capacidade para o consumidor. A distribuidora seria remunerada através da tarifa binômia, que separa o investimento no fio do consumo de energia.