Newton Duarte, da Cogen: cogeração pode dobrar com o Renovabio

Em entrevista, executivo falou sobre as oportunidades e desafios da indústria de cogeração de energia. A Cogen participa do 16º Enase, que acontece nos dias 28 e 29 de agosto no Rio de Janeiro

WAGNER FREIRE, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DE SÃO PAULO (SP)

A indústria de cogeração de energia está otimista com as oportunidades que serão abertas com as políticas para o Renovabio, o Novo Mercado de Gás e a geração distribuída no Brasil. No entanto, para que os investimentos represados sejam destravados, alguns desafios em nível regulatório e político ainda precisam ser superados, segundo o presidente da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton Duarte.

Segundo o executivo, só o Renovabio tem potencial de dobrar a capacidade de cogeração de energia no país, adicionando mais 4 GW a matriz elétrica brasileira até 2030. “As perspectivas são promissoras. O Programa RenovaBio é uma política de estado que vai além do mero resgate de CO₂. É um instrumento que incentiva a produção de energia limpa, seja com bioeletricidade, seja com etanol”, disse o executivo.

Nesta entrevista, Duarte destacou a agenda da Cogen e detalhou as oportunidades e os desafios do setor de cogeração de energia. Nos dias 28 e 29 de agosto de 2019, no Rio de Janeiro, a Cogen participará da 16ª edição do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), realizado peloGrupo CanalEnergia | Informa Markets, em copromoção com 20 associações do setor elétrico. Neste ano, a novidade será o Enase Gás, que pretende debater os desafios do desenvolvimento do mercado de gás natural no Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente da Cogen:

Agência CanalEnergia: Qual é a expectativa do mercado de cogeração com o RenovaBio?

Newton Duarte: As perspectivas são promissoras. O Programa RenovaBio é uma política de estado que vai além do mero resgate de CO₂. É um instrumento que incentiva a produção de energia limpa, seja com bioeletricidade, seja com etanol.

Nos nossos cálculos, com o RenovaBio, a cogeração de energia no Brasil a partir da biomassa de cana-de-açúcar tem potencial para crescer mais de 50% até 2030, adicionando 4 GW, considerando apenas a capacidade instalada. Nossa estimativa tem base na previsão de crescimento da produção de 30 bilhões de etanol/ano para 50 bilhões de litros/ano em 2030, o que deve levar a um aumento da produção de 200 milhões de toneladas de cana por safra. E a melhor destinação para o aproveitamento do bagaço de cana é a cogeração.

Acreditamos, ainda que, com o RenovaBio, outras usinas possam fazer retrofit e aumentar sua capacidade instalada para também exportar energia para o Sistema Interligado Nacional (SIN).

E o aumento da produção de etanol também abre a possibilidade de aproveitar outro subproduto da cana, a vinhaça. Cada litro de etanol deixa outros 12 litros de vinhaça como resíduo após a destilação do caldo de cana-de-açúcar. É mais uma biomassa que pode ser usada para a produção de biogás. Acreditamos que esse mercado deva ter uma expansão na próxima década, com investimentos de usinas nesse segmento, assim como a Raízen vem fazendo na Usina Bonfim, em Guariba (SP), com início da operação estimado para 2021.

Agência CanalEnergia: Quais os impactos positivos esperados com Novo Mercado de Gás? Isso pode contribuir para aumentar os negócios de cogeração a gás?

Newton Duarte: O chamado ‘Novo Mercado de Gás’ traz ações concretas para terminar com a concentração de mercado, ainda fortemente dominado por um único agente, a Petrobras. Com a entrada de novos players nos elos da cadeia e mais concorrência, a competitividade do insumo tende a aumentar, em benefício dos consumidores.

Esperamos que esse isso aumente a atratividade dos projetos de cogeração a gás natural, especialmente nos grandes centros urbanos, onde é a opção energética mais eficiente em instalações que demandam energia elétrica e térmica, como shoppings, hospitais e prédios corporativos, em que há elevado consumo de ar condicionado.

Nos nossos cálculos, com o RenovaBio, a cogeração de energia no Brasil a partir da biomassa de cana-de-açúcar tem potencial para crescer mais de 50% até 2030, adicionando 4 GW. Newton Duarte, da Cogen

Agência CanalEnergia: Quais os principais desafios políticos e regulatórios do mercado de cogeração?

Newton Duarte: Apresentamos recentemente várias propostas ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para contribuir e superar os desafios. No setor sucroalcooleiro, apresentamos, juntamente com  União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) e Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), uma proposta ao MME para alterar o texto da portaria 564/2014, possibilitando uma garantia física declarada que passe a valer de imediato, nesse primeiro ano, impulsionando a geração de bioeletricidade em até 10% no período da safra de cana (de abril a novembro). Isso ajudaria o país a poupar quase dois pontos percentuais dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste. Esse mecanismo já foi utilizado anteriormente e a Aneel e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) veem essa proposta com naturalidade.

Hoje, com a judicialização do GSF, não há nenhum sentido econômico que as usinas invistam, por exemplo, em comprar adicionais de bagaço de cana para gerar além da garantia física, uma vez que elas precisam vender o excedente pelo PLD e não vem recebendo esses valores em função do imbróglio do GSF. Com a ampliação da garantia física, essa energia seria negociada no mercado livre e monetizada de imediato.

Agência CanalEnergia: Existe alguma proposta para a geração distribuída?

Newton Duarte: Após a Audiência Pública 01/2019 da Aneel, apresentamos quatro propostas. Na energia solar fotovoltaica, defendemos a portabilidade de créditos. Nossa proposta é que pessoas físicas ou jurídicas possam compensar créditos advindos de micro e mini geração distribuída em unidades consumidoras do mesmo titular em área de concessão de outras distribuidoras de energia elétrica — desde que estas estejam situadas na mesma unidade federativa. Pelas regras atuais, quando a quantidade de energia gerada em determinado mês for superior à energia consumida, ela só poderá ser abatida nas faturas do mesmo ponto em até 60 meses e ou em unidades consumidoras do mesmo titular situadas em outro local, desde que na área de atendimento de uma mesma distribuidora. Hoje, em unidades federativas onde há diversas distribuidoras, não é possível fazer a compensação. Na nossa proposta de portabilidade, consideramos tanto os clientes que sejam CNPJ e ou CPF. No caso de um CNPJ, por exemplo, a medida permitiria que um centro de distribuição possa gerar e esse crédito seja compensado na sede administrativa na capital. No caso do CPF, permitiria compensar créditos de uma casa de praia ou campo em um apartamento na cidade. No futuro, essa proposta poderá beneficiar o gás natural.

Também defendemos a permanência da cogeração qualificada a gás natural, que permite elevada eficiência energética, com simultaneidade próxima de 100% e é uma fonte despachável, firme e com armazenamento. Em grandes centros urbanos, por conta da capilaridade da rede de distribuição. E o potencial de evolução dessa fonte é grande, de 7,2 GW de acordo com um estudo da Cogen.

Outro tema relevante para a Cogen nessa revisão é o da comercialização dos excedentes, o que incentivaria consumidores a instalar uma capacidade maior que o seu consumo. Essa possibilidade de vender os excedentes poderá fazer com que se acelere ainda mais o desenvolvimento das micro e miniGD, permitindo que os prosumers colocassem uma capacidade superior à sua necessidade. Uma pessoa física, em vez de colocar 5 ou 7 quilowatts (kW), colocaria 15 ou 20 quilowatts (kW), criando uma receita adicional.

A Cogen propõe ainda que a Aneel mantenha o limite de 5 MW para minigeração. Na visão da Cogen, reduzir o limite seria prejudicial para viabilizar os projetos de GD com gás natural em shoppings e condomínios comerciais, por exemplo.

Não faz sentido que o país faça leilões que desconsiderem a importância de incentivar a geração distribuída, ou seja, a geração próxima do ponto de consumo.

Agência CanalEnergia: Qual é a perspectiva para os leilões do governo?

Newton Duarte: Na agenda política, defendemos os leilões regionais. Não faz sentido que o país faça leilões que desconsiderem a importância de incentivar a geração distribuída, ou seja, a geração próxima do ponto de consumo. O que temos visto são leilões feitos pelos preços, desconsiderando, por exemplo, outros custos e subsídios.

É preciso que o planejamento energético valorize os atributos ambientais, as externalidades econômicas da cogeração a biomassa. É fundamental a correta precificação das fontes a partir da valorização correta de seus atributos. As usinas movidas a biomassa têm atributos que devem ser valorados, por exemplo, não só por gerarem com fontes renováveis, mas também a proximidade ao centro de carga, evitando investimentos desnecessários em linhas de transmissão.

Em médio e longo prazo, defendemos que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) repense seu modelo de planejamento. É fantástico que o governo faça um planejamento decenal, mas, atualmente, ele é apenas indicativo. No nosso entendimento, ele deve ser determinístico. Por que não podemos pensar o setor energético que queremos ter em 2050? Desse modo, haveria uma previsibilidade maior para os investimentos e os leilões de energia nova estariam mais alinhados com os objetivos estratégicos do país. Isso permitiria a contratação de mais projetos de cogeração caso o Brasil entenda que seja oportuno valorizar a geração distribuída, que é a forma mais inteligente de gerar energia em função de seu elevado grau de eficiência e confiabilidade.

Agência CanalEnergia: Há oportunidades para cogeração no mercado livre? Quais são?

Newton Duarte: Hoje dois terços de toda a energia exportada pelas usinas de biomassa já é comercializada no mercado livre, de acordo com Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Essa participação tende a aumentar, especialmente a partir de 2023, quando muitas usinas ficarão sem os contratos que vencerão no mercado regulado. Isso terá uma evolução importante para os contratos no ambiente livre.

Outra oportunidade é a adoção de novas tecnologias. Com o blockchain, produtores de energia podem, em tese, fazer transações diretamente com seus clientes, levando à redução de custos.

Agência CanalEnergia: Os investimentos em cogeração estão de alguma forma represados no setor?

Newton Duarte: Com certeza. Se o governo der os sinais regulatórios e econômicos corretos, há um imenso potencial para a expansão do setor, especialmente com o retrofit de usinas de biomassa que ainda não exportam energia para o Sistema Interligado Nacional (SIN). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pode ser um agente importante, aprimorando as linhas de financiamento para estimular o setor. As soluções regulatórias que temos apresentado para biomassa, gás natural e solar fotovoltaica seguramente vão contribuir para aumentar a segurança dos investidores.