Sistemas isolados mais verdes e mais baratos

Brasil Energia - 06/06/2017

Geração renovável associada a novas tecnologias de armazenamento de energia tendem a reduzir fortemente custos com geração na região menos conectada à rede

Há sinais favoráveis de que as despesas com custeio do atendimento a localidades ainda não cobertas por redes elétricas devem entrar em um patamar de queda nos próximos anos. Isso acontecerá de maneira bastante progressiva e a previsão é de que os gastos não serão eliminados por completo porque, ainda assim, será inviável economicamente estender fios e fincar postes para suprir comunidades muito pequenas ou localizadas em áreas de proteção ambiental.

Essa meta também vai depender tanto do ritmo da continuidade do Programa Luz para Todos (LPT), ainda com uma demanda residual a resolver, como também das conexões ao Sistema Interligado Nacional (SIN) por meio de projetos de transmissão. Os cronogramas das obras estão sujeitos a atrasos de duração incerta, seja por conta de barreiras de licenciamento ambiental ou de questões fundiárias, como no caso da linha Manaus (AM)-Boa Vista (RR). Esse empreendimento, em especial, mesmo leiloado há anos, não tem previsão firme de instalação porque depende de liberação de acesso a território indígena.

Mas a atual perspectiva do governo – leia-se Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – é que a introdução de geração renovável, associada a novas soluções de armazenamento de energia, irá aos poucos baixar o consumo de combustíveis fósseis. Eles são utilizados para acionar o tradicional parque de motogeradores, equipamentos utilizados há décadas, principalmente na região Norte, como tecnologia predominante nos chamados sistemas isolados. Essas instalações somavam, até o ano passado, algo em torno de 278 pontos, num total de 1.900 MW instalados – quase duas hidrelétricas do porte de Sobradinho –, dos quais somente 50 deles têm alguma chance de interligação por rede até 2026.

Para se ter uma ideia do montante total de gastos com a compra de combustíveis que os consumidores brasileiros são obrigados a arcar todo ano quando pagam suas contas de energia elétrica, a Eletrobras projetou para 2017 um desembolso da ordem de R$ 6,7 bilhões destinado ao sustento da chamada Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), dos quais R$ 1,2 bilhão correspondem à previsão de tributos.

Desse montante, a maior parte, pouco mais de R$ 6 bilhões, vai para quatro concessionárias controladas pela Eletrobras: Amazonas Energia, Eletrobras Distribuição Acre, Eletrobras Distribuição Rondônia e Eletrobras Distribuição Roraima. Deste grupo, a Amazonas Energia, que é geradora e distribuidora, abocanha a fatia maior de recurso, cerca de R$ 4,3 bilhões.

Além da questão das emissões de gases poluentes, levando em conta a queima de óleo por anos a fio em plena floresta amazônica, a complicada logística de transporte de combustível a localidades remotas é outro aspecto que tende a ter seu impacto reduzido gradualmente. A principal fornecedora é a Petrobras, que calcula movimentar 150 mil m3/mês de óleo diesel na região Norte para manter o funcionamento de termelétricas, entre outros consumos. O deslocamento das cargas se vale de balsas e caminhões.

Em paralelo a essa megaoperação, segundo fontes consultadas, há também questões que contribuíram negativamente, com o passar dos anos, para tornar os sistemas isolados sinônimo de dispêndio elevado, conduzindo, portanto, o governo a se empenhar mais na busca de redução do ônus desse encargo sobre as contas de luz.

A começar por suspeitas de desvio sistemático de diesel, passando pela dependência criada nos municípios sede de sistemas isolados, em relação à parcela de impostos que é recolhida sobre a comercialização do combustível que circula na região Norte. Com a chegada gradual da rede elétrica, há notícia de que muitos deles se ressentiram da perda dessa receita. E para complicar, Eletrobras e Petrobras estão se enfrentando na Justiça por conta de pendências bilionárias relacionadas ao fornecimento de diesel às usinas. Parte do imbróglio foi resolvida em acordo amigável e parte está em disputa nos tribunais. Como agente fiscalizador de toda a sistemática, a Aneel chegou ainda à conclusão, recentemente, de que houve um pagamento indevido de R$ 3,5 bilhões em recursos de CCC à Eletrobras, valor este não reconhecido pela estatal.

Não por acaso, portanto, a mecânica de contratação de geradores veio passando por mudanças na legislação – regida pelo Decreto 7.246/2010 e pela Portaria 600/2010 – até que, mais recentemente, o decreto 9.047/2016 introduziu mais novidades. Inclusive porque, ainda em 2017, está nos planos do governo federal fazer com que a empresas de distribuição da Eletrobras passem para o controle privado, embora os contratos existentes devam permanecer em vigor, independentemente dos agentes que sucederem a estatal no controle das companhias.

Historicamente, sempre coube às distribuidoras da holding federal, ano a ano, fazer os devidos cálculos sobre as necessidades de combustível e energia para suprimento das comunidades isoladas, levando também em conta a conveniência de novas contratações de capacidade para atender ao crescimento da carga, planejamento esse que acaba de ser repassado à responsabilidade do Operador Nacional do Sistema (ONS). Outra tarefa que cabia à Eletrobras e foi repassada em maio último à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é a gestão financeira da CCC e demais encargos federais, tais como RGR e CDE.

A EPE, por sua vez, está incumbida de mais uma responsabilidade que era da Eletrobras, ou seja, avaliar os dados levantados pelas distribuidoras, relativos aos seus mercados isolados, e estudar os chamados projetos de referência encaminhados por essas empresas, com as configurações sugeridas para atendimento do crescimento da carga num horizonte de dez anos, habilitando-os ao final do processo. As propostas podem ser para o aluguel de equipamentos com O&M próprios ou de contratação de terceiros para venda da energia, entre outras modalidades. A operacionalização do leilão, por sua vez, fica a cargo da Aneel.

No último certame, promovido em maio último, para atendimento de demandas na área de atuação da Amazonas Energia, já foi introduzida uma primeira novidade, segundo explica Gustavo Ponte, consultor técnico da EPE. Para cada projeto de referência sugerido pela Amazonas Energia – todos, aliás, prevendo apenas geradores a diesel – foi aberta a possibilidade de os agentes interessados apresentarem propostas alternativas, agregando sistemas de produção renováveis. O resultado foi bastante positivo, com mais de 30 opções oferecidas pelo mercado. Nenhuma delas, no entanto, foi suficientemente competitiva para rivalizar com as versões movidas a óleo diesel. Pontes esclarece, no entanto, que mesmo quem venceu com projeto tradicional vai poder, ao longo do tempo, transformar o projeto em instalações híbridas, agregando painéis fotovoltaicos, baterias, gerador a biomassa, entre outros. “O ganho do empreendedor com a economia de combustível terá, nesse caso, que ser repartido com os consumidores”, observa o consultor da EPE. Já para um próximo leilão, complementa Pontes, a ideia é eliminar a necessidade dos projetos de referência – agilizando todo o processo - e deixar em aberto, para que os participantes fiquem à vontade para apresentarem instalações com as fontes de geração que entenderem ser as mais competitivas em relação à demanda posta em edital. Pontes acentua que será difícil eliminar por completo a queima de diesel. Ocorre que é necessário ter backup para não deixar a população sem energia em caso de falha no sistema alternativo. Em outros casos, não será possível abrir mão do equipamento tradicional porque é preciso potência robusta para suportar a carga. Mas haverá, sim, economia gradativa no consumo de óleo que, aliás, pode ser também substituído por biocombustível. É o que já se passa, desde 2016, em dez localidades de Rondônia e quatro do Acre que são atendidas por uma capacidade total instalada de pouco mais de 18 MW em equipamentos operados pela Aggreko em parceria com a Brasil Biofuels, que fornece biodiesel fabricado por sua usina localizada em Ji-Paraná (RO), com palma cultivada em esquema de agricultura familiar.

A atual tentativa do governo de mudar a forma de encarar os sistemas isolados não é nova. Abordagens diferenciadas foram feitas no passado, como no caso do projeto pioneiro de gaseificação de biomassa que o Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), então ligado ao Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), desenvolveu na região Amazônica. Segundo conta a professora Suani Teixeira, hoje coordenadora do Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio) do IEE/USP, o experimento, realizado há dez anos, se mostrou viável na época e a ideia era doá-lo à Companhia Energética do Amazonas (CEAM) para que o mantivesse em operação, mas, para surpresa da especialista, a oferta foi recusada. “Era só tomar conta da unidade, cuidar da manutenção, para que ficasse como demonstração.” A empresa alegou uma série de dificuldades, comportamento esse que, na opinião dela, denota ainda hoje muito conservadorismo e aversão a tecnologias alternativas.

Leontina Pinto, da consultoria Engenho, garante que competitividade não é hoje problema para a adoção de fontes alternativas nos sistemas isolados. Ela entende que o que falta mesmo é melhorar a regulação e criar uma política adequada. As regras em vigor nunca estimularam as concessionárias de distribuição – como no caso do antigo projeto do Cenbio - a buscar inovações e ganhos de operação. “Por que investir em melhorias se tudo o que for conseguido de vantagem vai precisar ser dividido com o consumidor?”, questiona. Se esse viés regulatório já tivesse passado por uma evolução, os resultados poderiam ser outros, muito mais eficientes, acredita.

“Os empreendedores que saíram vencedores no último leilão da Aneel devem, com o tempo, agregar fontes alternativas às suas plantas de geração a diesel, mas, certamente, ainda vão fazer projetos pilotos antes de partir para modificações mais avançadas”, avalia Thaís Prandini, diretora da consultoria Thymos Energia. Isso é importante, segundo ela, para avaliar, no caso de inserção de fonte eólica e fotovoltaica, o comportamento dos ventos e da irradiação solar. Para as distribuidoras ficou mais facilitado também, destaca, porque os empreendedores vendem a energia, cuidando de operação, manutenção e compra de combustível da maneira mais eficiente.

No que se refere a opções tecnológicas para incrementar as instalações em futuro próximo, os geradores não devem enfrentar maiores problemas. A possibilidade de agregar baterias de lítio, por exemplo, já é uma prática muito comum no exterior – com destaque para comunidades localizadas na África -, segundo aponta Carlos Augusto Leite Brandão, presidente da Associação Brasileira de Armazenamento e Qualidade de Energia (Abaque).

No Brasil, ele lembra que a chamada 21 da Aneel para projetos de P&D Estratégico, em pleno andamento, vai permitir experimentar vários tipos de instalações. Há também o esforço de um dos associados da Abaque, o Instituto Tecnológico Edson Mororó Moura (ITEMM), dedicado ao desenvolvimento de uma opção tecnológica local de bateria de chumbo-ácido própria para uso em sistemas fotovoltaicos.

E se a ideia é tentar aproveitar recursos hídricos próximos das comunidades, já que a região Norte é rica em cursos d’água, Newton Duarte, presidente-Executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen) sugere que, além das plantas movidas a biomassa, os geradores também observem com atenção outra vertente muito usada no Reino Unido e que, a exemplo das turbinas bulbo, se vale de máquinas móveis que podem ser simplesmente mergulhadas nos rios para aproveitar a correnteza. Nessa mesma linha, a Voith Hydro está trazendo ao Brasil uma linha de microturbinas com o mesmo princípio de acionamento, porém que trabalham fixas e que estão disponíveis em módulos. Duarte não descarta também a possibilidade do uso de Gás Natural Comprimido (GNC) – para a formação dos chamados gasodutos virtuais -, tendo em vista que a região de Coari, por exemplo, conta com suprimento que vem de Urucu.

Mas vem de empresas veteranas no atendimento a sistemas isolados da região Norte sinalização positiva de que o perfil de atendimento elétrico às localidades deve passar por uma mudança expressiva ao longo do tempo. A finlandesa Wärtsilä e a alemã Siemens, cada uma com 255 MW e 170 MW instalados, respectivamente, estão preparadas para oferecer ao mercado sistemas híbridos completos, inclusive em regime turn key, mesmo que não produzam todos os itens, como, por exemplo, painéis fotovoltaicos, considerados hoje praticamente uma commodity que pode ser comprada do fornecedor que oferecer melhor preço e qualidade.

Segundo explica Luiz Maggione, gerente de Desenvolvimento de Negócios de Energia da Wärtsilä, entre as regras dos leilões recentes para sistemas isolados, atraiu o fato dos novos contratos terem uma duração mais longa. O executivo explica que foi criada uma área na empresa que já instalou plantas híbridas no exterior, mas ainda não no Brasil, onde está em andamento um processo de seleção de possíveis parceiros fornecedores. A especialidade da companhia são equipamentos de geração movidos a gás natural, óleo ou ambos, em uma linha que vai de 4 MW a 18,8 MW de potência.

No caso da Siemens, segundo Guilherme Mattos, gerente de Geração Distribuída, há interesse e estudos em andamento que visam tornar mais econômica e eficiente as operações que a empresa mantém na região Norte, daí a possibilidade de introduzir adiante soluções envolvendo fontes renováveis que poderão incluir armazenamento de energia, biomassa, solar e eólica. Para a viabilização de plantas completas, a Siemens já fabrica localmente turbinas a vapor de diversas dimensões, além de componentes para sistemas de automação e para subestações, entre outros produtos.

Na Alemanha fabrica baterias, mas também participa no Brasil da chamada 21 de P&D Estratégico. Mattos explica que a empresa entrou com um projeto no leilão da Aneel realizado em maio último, para atendimento da demanda da Amazonas Energia, porém não pode ainda revelar o status (de vencedor ou não). É uma participação que, na eventualidade de ser executada, deve contemplar 100% de investimento da companhia. No caso das instalações existentes, ele diz que elas foram adquiridas da Guascor, cuja operação, acrescida à fase Siemens, soma 20 anos.