Uma conquista para a Geração Distribuída

Revista Potência

*Por Newton Duarte

No início de 2018, o setor elétrico brasileiro teve uma importante conquista: a definição, pelo Ministério de Minas e Energia (MME), dos novos Valores Anuais de Referência Específicos (VRES) para os Sistemas de Geração Distribuída (GD) no âmbito da Lei 10.848/2004 e da portaria MME nº 538/2015.

Os novos VRES são: biomassa residual (R$ 349,00/MWh); gás natural (R$ 451,00/MWh); biogás (R$ 390,00/MWh); biomassa dedicada (R$ 537,00/MWh); solar fotovoltaica (R$ 446,00/MWh); resíduos sólidos urbanos (R$ 561,00/MWh); eólica (R$ 296,00/MWh); e PCH/CGH (R$ 360,00/MWh).

Com a medida, em vigor desde 1º de março por intermédio da Portaria MME nº 65, as distribuidoras de energia elétrica terão mais facilidade para firmar contratos com fontes de GD em locais onde elas de fato necessitem de reforços. Para isso, precisam abrir uma chamada pública informando a sua demanda, ressaltando que o limite para contratação de GD é de até 10% de sua carga total.

Por exemplo: uma distribuidora no interior de São Paulo passa a ter um instrumento efetivo para comprar energia em um ponto onde ela avalie que venha a precisar de um reforço. Por meio de uma Chamada Pública, essa concessionária poderá buscar energia adicional em sua área de concessão, fixando um prazo para receber as propostas. E, conforme esse exemplo, os geradores poderão ofertar essa energia de diversas fontes – biomassa, solar e até mesmo de gás natural, entre

outras. A distribuidora poderá adquirir energia de mais de uma fonte, no melhor preço possível, em um processo com ampla concorrência, com um teto (que é o VRES). Basta que a concessionária comunique a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre a aquisição do volume de energia necessário (dentro do teto de 10% de sua carga) e possa repassar o valor daquela energia (obtida a preços competitivos) para a sua tarifa.

A medida do MME veio em boa hora. No nosso entendimento, os novos VRES representam uma medida positiva para todos. A portaria estabelece valores que efetivamente remuneram os investimentos, atraindo empresários para aportar recursos em GD.

Para as concessionárias, os novos VRES viabilizam a possibilidade de adquirir energia, a curto e médio prazo, para melhor atender o seu mercado consumidor, em localidades próximas de suas necessidades, liberando-as de investimentos em infraestrutura. Elas terão um instrumento inteligente, assertivo e eficiente para planejar o atendimento a demandas de novos clientes (indústrias, centros comerciais e edifícios corporativos, por exemplo).

Para o País, a medida é positiva porque incentiva a GD e a cogeração, evitando que os reservatórios de água das usinas hidrelétricas sejam ainda mais sacrificados. Por exemplo, em 2017, a geração de energia a partir da biomassa evitou que o nível dos reservatórios Sudeste/Centro-Oeste fosse reduzido em 15 pontos percentuais.

Para a economia brasileira, os novos VRES contribuem para a instalação de empreendimentos em locais onde as concessionárias tenham dificuldade de suportar novas cargas, abrindo a chance de investimentos em GD. O País ganhará rapidamente um reforço em sua capacidade de geração, o que contribuirá para suportar a retomada da economia e o desenvolvimento de projetos e empreendimentos que demandem energia.

Para o consumidor, a medida garante mais segurança energética, reduzindo a possibilidade de intermitências e interrupções no fornecimento, especialmente nos chamados horários de ponta, que começam no final da tarde e vão até 21h, dependendo da distribuidora, exatamente quando há uma sobrecarga no sistema.

Em resumo: a medida é excelente para o País, eficiente para o setor elétrico e para a nossa economia. Aperfeiçoa a confiabilidade do setor, melhorando também a sua condição socioeconômica e permitindo aportes de menor custo e com investidores múltiplos, além de reduzir investimentos desnecessários em grandes projetos estruturantes em usinas e linhas de transmissão.

Desdobramentos

Acreditamos que, a partir da portaria, as fontes acionadas mais brevemente pelas chamadas públicas venham a ser a biomassa, a solar e o gás natural, em função da ampla oferta nos locais das distribuidoras com maior demanda de carga. Nos centros urbanos, principalmente o gás natural; no interior, biomassa e solar. O biogás também pode ter um estímulo e, em alguns casos, eólicas ou até PCH´s podem ser acionadas.

A grande novidade da Portaria MME nº 65, sem dúvida, é a fixação de um valor específico para a operação de compra e venda de energia movida a biomassa residual, em especial a derivada de cana-de-açúcar.

É verdade que a possibilidade jurídica de adquirir energia movida a biomassa, de fato, existia desde a edição do Decreto nº 5.163, de abril de 2004. Mas, na realidade, ela raramente foi praticada. Pelas regras anteriores, as distribuidoras praticamente não puderam exercer a faculdade de adquirir energia de GD porque não encontravam quem estivesse disposto a vender energia com valor próximo de R$ 100/MWh.

Com a edição da portaria, estamos convictos que o valor de R$ 349,00/MWh, para a biomassa residual, seja capaz de incentivar a produção e a venda desta energia, advinda da compra de bagaço adicional ou da própria ampliação das usinas. Tais ampliações certamente trarão mais bioeletricidade para o nosso sistema. Outra boa novidade desta portaria é a correção do VRES do gás natural, o que coloca esta fonte em um patamar que traz viabilidade econômica aos empreendimentos.

Todas essas conquistas são resultado de trabalho intenso da Associação da Indústria da Cogeração de Energia (Cogen). Desde 2013, a Cogen vinha batalhando para que a GD tivesse valores de referência específicos que reconhecessem os atributos de cada fonte e fossem coerentes com o mercado. Em 2015, a regulamentação do VRES foi publicada, mas abrangendo somente a energia solar e o gás natural. Faltavam fontes importantes como a biomassa. Na sequência, a Cogen, juntamente com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), apresentou à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e ao Ministério de Minas e Energia (MME) uma proposta de VRES para biomassa, a partir de um estudo técnico realizado pela Thymos Energia.

Cabe ressaltar que a Cogen, juntamente com um Grupo de Trabalho de seus associados, apresentou à EPE a nova proposta para a atualização do VRES do gás natural, o que redundou na atualização deste valor.

Agora, nosso próximo passo é realizar reuniões com as distribuidoras, principalmente as que atuam nos locais das fontes geradoras, visando estimulá-las a promover Chamadas Públicas para contratação de GD.

Novo marco regulatório

Estamos, agora, na expectativa do aprimoramento do novo marco legal do setor elétrico. A Cogen apresentou suas contribuições na Consulta Pública nº 33/2017. E, na nossa visão, o principal nó a ser desatado é o impacto do GSF (em inglês, Generation Scaling Factor) para os geradores hidrelétricos e para o setor como um todo – em particular, para o segmento de cogeração e GD movida a biomassa.

Muitos operadores de usinas, desde 2015, ingressaram com liminares para evitar o pagamento de valores no mercado de energia de curto prazo, em função do chamado "risco hidrológico" – para cumprir seus contratos, eles são obrigados a comprar, a preços mais elevados, a energia que não conseguem produzir em decorrência da falta de chuvas.

O resultado dessa judicialização é um acúmulo de dívidas que ultrapassam R$ 6 bilhões na liquidação financeira de operações do mercado de energia, conforme dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Esperamos que o novo marco regulatório promova melhorias no Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), mitigando os riscos inerentes aos fatores hidrológicos alocados aos responsáveis e, eventualmente, alterando o critério de alocação.

Por fim, nossa expectativa é que o novo marco regulatório reconheça, cada vez mais, os projetos de GD e de cogeração como uma das soluções energéticas para o Brasil, aproveitando a diversidade de fontes disponíveis, exatamente onde elas façam mais sentido – ou seja, próximas do ponto de consumo.

* Newton Duarte é presidente executivo da COGEN, Associação da Indústria de Cogeração de Energia

*** 11/03/2018