Cobrança do MME aumenta pressão por aprovação da Conta Covid

Processo será votado na próxima terça-feira, 23, mais de um mês depois da publicação do Decreto 10.350

SUELI MONTENEGRO, DA AGÊNCIA CANALENERGIA

O adiamento por mais uma semana da regulamentação da Conta Covid aumentou a pressão sobre a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica, especialmente após cobrança feita pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. A Aneel vai retomar o processo na reunião semanal da próxima terça-feira (23), mais de um mês depois da publicação do Decreto 10.350, que estabeleceu as condições gerais para a contratação da operação financeira de ajuda às distribuidoras.

A longa discussão entre diretores da autarquia que resultou em um pedido de vistas do processo na madrugada da última terça-feira (16) causou surpresa também no setor. Agentes do mercado lembram que a urgência no momento é a aprovação das regras do empréstimo que vai reduzir os impactos da crise do coronavírus sobre o caixa das empresas. O debate, no entanto, ficou concentrado no tratamento do reequilíbrio econômico dos contratos de distribuição, tema que ainda divide a agência reguladora.

“Se eu misturar essa conversa, não tem fim. Era para resolver  em 30 dias já levou 70 e, se ficar discutindo isso, vai levar 90, 120 dias, não vai resolver e vai matar o setor por falta de liquidez”, disse o CEO da Choice Technologies, Denis Maia. Na avaliação do executivo, trazer essa discussão agora para o processo é adiantar uma conversa bastante complexa para um momento em que é necessário agilidade na solução do problema das empresas.

A proposta da diretora Elisa Bastos Silva estabelece um limite de contratação de R$ 16,25 bilhões para mitigar os impactos da pandemia sobre o mercado de distribuição e postergar para 2021 parte dos aumentos tarifários de 2020. Ela foi questionada, no entanto, por não ter incluído na proposta valor adicional para a cobertura de impactos de revisões tarifárias e sobre a decisão de permitir a contabilização prévia do reequilíbrio econômico dos contratos pelas distribuidoras. E o que se viu em seguida foram duas longas apresentações feitas pelos diretores Sandoval Feitosa e Efrain Cruz, autor do pedido de vistas.

“Não vi ninguém que não tenha ficado absolutamente perplexo. Foi inesperado”, resumiu a diretora do Centro de Estudos em Regulação da Fundação Getúlio Vargas, Joísa Dutra, ao comentar o resultado da reunião do início da semana. Joísa lembrou que o decreto que criou a Conta Covid foi publicado em 18 de maio, mas a proposta de captação de recursos para a ajuda às distribuidoras já era conhecida antes disso.

“Nós estamos há mais de 90 dias do início do distanciamento social, as distribuidoras desde o dia 25 de março estão com a flexibilização de medidas adotadas para seus consumidores, e não tem até hoje um instrumento adequado para poder lidar com uma crise dessa proporção”, cobrou a economista, que também foi diretora da Aneel.

Com a experiência de ex-diretora da autarquia, ela levantou dúvidas sobre a conveniência do pedido de vistas. O instrumento, que tem sido usado com frequência por diretores da Aneel, é considerado uma interrupção do processo pelo professor de Direito e integrante da Academia Brasileira de Letras Joaquim Falcão. Falcão, que é professor aposentado da FGV, foi o responsável pelo projeto chamado Supremo em Números, que analisou os fundamentos dos processos julgados no Supremo Tribunal Federal e realizou levantamentos sobre pedidos de vista e seus impactos no STF e no Tribunal Superior Eleitoral.

Reequilíbrio

Maia, da Choice, acredita que há razões que justificam os pontos de vista tanto do lado da Aneel quando das distribuidoras. “Tem uma discussão por trás disso. Se você reconhece ex-ante o valor  está dizendo que quem vai pagar essa conta 100% é o consumidor. A distribuidora, por sua vez, tem receio de que se não estiver definido ex-ante, elas é que vão pagar uma parte da conta”, disse. Ele reconheceu, porém, que é necessário ser pragmático, para resolver o que é mais urgente.

Na discussão, segundo Maia, há dois atores, que são o consumidor e o acionista das empresas. Falta um terceiro, que é o governo, a quem caberia oferecer uma alternativa de custeio para trazer neutralidade à operação, por meio de fundos setoriais, do Tesouro e de instrumentos tributários.