Cogeração a gás natural pode contribuir para futuro energético do País

O Brasil passa por um quadro hidrológico sensível, decorrente do pior período úmido já registrado em 91 anos, gás e biomassas são as principais fontes alternativas à hidroeletricidade

COMPARTILHAR IMPRIMIR ADICIONAR A FAVORITOS


ARTIGO

NEWTON DUARTE presidente executivo da Cogen (Associação da Indústria da Cogeração de Energia)VER TODOS OS ARTIGOS DESTE AUTOR

Os indicadores são preocupantes. No dia 2 de agosto, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) fez uma previsão de que que o mês poderia registrar a pior média mensal de ocupação dos reservatórios de toda a série histórica, iniciada em 2000, chegando a 21,4% da capacidade em energia armazenada (EAR) nos reservatórios das hidroelétricas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste.

Apenas como referência, o mês de agosto de 2001, ano em que o país atravessou uma crise energética sem precedentes, os mesmos indicadores apontavam um índice de 23,4%. No final de agosto, o patamar nos reservatórios do subsistema já estava na casa dos 21%. Em Furnas, responsável por 17,21% do subsistema, o patamar já se encontrava na casa dos 17% no final do mês.

E no Sudeste é justamente onde está o maior centro de carga. De acordo com o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2020, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a região é a que tem maior participação no consumo do país, representando praticamente 50% do total.

Não é fácil conviver com a sensação de insegurança energética e com a volatilidade de preço no mercado de curto prazo. A incerteza afeta o setor produtivo, uma vez que a energia é um dos principais componentes da estrutura de custos da indústria e de muitos estabelecimentos comerciais.

Nesse cenário, é importante uma visão de longo prazo, com um planejamento energético que possa ser mais determinístico, valorizando todas as fontes de acordo com seus atributos e vocações regionais. É preciso, ainda, investir em formas mais eficientes, confiáveis e resilientes para ofertar energia ao País.

E a cogeração, sem dúvida alguma, é uma dessas saídas. Esse mecanismo inteligente de gerar energia (elétrica e térmica) já contribui com 19 GW de potência instalada, seja para o consumo na própria produção ou para exportação ao grid. Somente a cogeração a biomassas, por meio de suas mais de 480 usinas em operação, ajuda a poupar 15 pontos percentuais no nível de água dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste.

A cogeração através do gás natural, com 3,2GW instalados, também tem potencial significativo – principalmente nos grandes centros urbanos, onde há redes de gasodutos de distribuição. Excelente substituto para o diesel, o gás natural já tem sido usado em indústrias, edifícios corporativos, shoppings e centros de eventos, para o suprimento de eletricidade, calor e frio, principalmente climatização.

São 93 projetos qualificados no Brasil, mas poderiam ser muito mais — na medida em que vejamos um amento da competitividade dessa fonte energética, o que se espera com a participação de um número maior de ofertantes no mercado de gás.

O cenário é promissor, com as possibilidades de importação de GNL (Gás Natural Liquefeito) a preços competitivos e o aumento de produção nos campos da Bacia de Santos. A expansão recente da agroindústria de cana-de-açúcar, com os novos projetos de usinas de biogás, também ajuda a compor um panorama animador.

O certo é que o País não pode prescindir do gás natural e das biomassas, que conformam as principais fontes alternativas à hidroeletricidade para mitigar os problemas de potência que o País poderá atravessar. O Brasil precisa de mais gás — e de novos projetos de cogeração, produzindo energia com eficiência e de forma distribuída.

Nesse sentido, a prorrogação do prazo de concessão da Comgás tem um significado importante, pois sinaliza a perspectiva de aceleração da massificação do uso do gás natural — e da cogeração a gás natural. Em pouco mais de 20 anos, os indicadores apontam uma performance relevante da iniciativa privada à frente da distribuidora de gás natural, com destaque para o crescimento de clientes (300.000 para 2,1 milhões) e de número de municípios (18 para 92) atendidos pela concessionária. A proposta de prorrogação da concessão mais que duplica o número de clientes e levará a rede para pelo menos mais 41 municípios.

Um dos pontos positivos da proposta é a adoção do mercado livre em todos os segmentos. No setor elétrico, desde que esse modelo foi implementado, vimos uma grande evolução. Hoje, 2/3 do volume da biomassa já está nesse regime de contratação. No setor de gás natural, há um grande potencial. A notícia é muito benéfica, de antemão, para os grandes consumidores comerciais e industriais. Mas é legítimo imaginar que, na próxima década, qualquer um de nós, consumidores residenciais, possamos ter os benefícios de escolher qual será nosso fornecedor a comercializar o gás.

Outra proposta interessante, incluída no aditivo de prorrogação apresentado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), é a chance de realização de chamadas públicas para a contratação de biogás, com possibilidades competitivas a partir da interligação das redes entre as três concessionárias no estado de São Paulo.

Entendemos que seja possível evoluir ainda mais e a Cogen naturalmente tem suas contribuições, mas, de um modo geral, temos a certeza de que a prorrogação é um passo afirmativo para o desenvolvimento paulista e brasileiro.

Sem sombra de dúvida, a cogeração a gás natural é uma das soluções para que o Brasil possa construir um modelo que amplie a oferta de energia em níveis competitivos, que seja resiliente, eficiente energeticamente, e que esteja próxima aos centros de carga.

*Newton Duarte é presidente executivo da Cogen (Associação da Indústria da Cogeração de Energia)