Expectativas frustradas

Indústria de bioeletricidade esperava avanço modesto neste ano. Agora, as previsões são revisadas para baixo com velocidade.

Valor Setorial Energia

As expectativas para a indústria de bioeletricidade neste ano, que já não eram tão promissoras, mudaram radicalmente a partir da segunda quinzena de março, com a deterioração acelerada do cenário diante do avanço da pandemia causada pelo Covid-19. As mudanças no mercado de energia, provocadas essencialmente pela retração da demanda, levaram o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a suspender por tempo indeterminado, no fim de março, todos os leilões de energia para 2020.

De acordo com Zilmar de Souza,  gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), no leilão A-4 de energia nova, para entrega em janeiro de 2024, o setor de biomassa havia cadastrado 21 projetos, com potência em torno de mil megawatts (MW). Em 2019, nos leilões A-4 e A-6, chegou a contratar a entrega de 77 megawatts médios, quase o triplo na comparação com 2018. O setor esperava pelo menos manter a geração realizada no ano passado sem qualquer "crescimento muito significativo”, diz Souza. Em 2019, a indústria de cogeração colocou no sistema integrado de energia perto de 22,4 terawatts/hora (TWh), num avanço de 4,2% em relação a 21,5 TWh em 2018. A participação da biomassa na demanda vem-se mantendo ao redor de 4,6% desde 2016.

A suspensão dos leilões de energia, afirma Newton Duarte, presidente executivo da Associação da Indústria da Cogeração de Energia (Cogen), trouxe intranquilidade a todo o setor, agravada pela tendência de encolhimento do mercado. Ainda em março,  as entidades da área elétrica passaram a considerar uma redução de 0,9% na carga de energia neste ano em relação a 2019, para 67.249 Megawatts médios diários  — um corte de 5% ante a estimativa interior. Apenas no primeiro bimestre,  o consumo de eletricidade havia recuado 1,2% a comparação a igual período de 2019, antes que os efeitos do coronavírus fossem verificados.

A retração acirrou os conflitos no setor e as empresas de distribuição de energia comunicaram a empresas no setor de biomassa, assim como a geradoras de energia de outras fontes, que poderiam não honrar integralmente os contratos de fornecimento de eletricidade, alegando "eventos e força maior” ou "motivo fortuito”. Numa dimensão aproximada do possível estrago, a cogeração de energia pode chegar a responder por 15% das receitas das usinas e por até 30% da geração de caixa medida pelo retorno antes de impostos, despesas financeiras depreciação amortizações (Ebitda, na sigla em inglês), segundo Pedro Fernandes, diretor de Agronegócios do Itaú BBA.  Apenas em 2019, acrescenta Souza, a bioeletricidade humana gerou receita de R$ 5,5 milhões para as usinas.

Duarte lembra que setor vinha avançando na “biometanização”, sistema que utiliza o biogás produzido a partir de resíduos da biomassa. O biometano obtido a partir desse processo, mais eficiente e com maior poder combustão, pode ser aproveitado tanto na movimentação de frotas quanto na geração de energia elétrica. Ele relaciona duas plantas já em operação no braço — uma da Adecoagro, em Mato Grosso do Sul, e a segunda da Coopcana, no norte do Paraná — e uma terceira em fase de instalação pela Raízen. No primeiro caso, em operação desde julho de 2018, a usina Ivinhema consegue rodar 24 horas por dia durante 365 dias do ano, segundo Duarte, gerando 120 MW a partir de biometano, usando tecnologia integralmente nacional, desenvolvida em parceria entre a Adecoagro e a Methanum Engenharia Ambiental com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A usina Paraíso, da Coopcana, instalada em Paraíso do Norte (PR), tem capacidade para 10 MW e tem gerado cerca de 4 MW a partir do processamento de biogás extraído de vinhaça concentrada.

O projeto da Raízen em Guariba (SP), diz Antonio Simões, vice-presidente de logística, distribuição e energia da empresa, está em fase final de implantação e a expectativa é de que inicie as operações no começo de 2021, com a previsão de atingir sua capacidade máxima de 31 MW em até três anos. “Com um investimento de R$ 153 milhões e utilizando duas tecnologias combinadas, a torta de filtro e a vinhaça, a previsão é que a produção atinja a ordem de 138 mil megawatts/ano”. Quase 70% da energia a ser gerada, em torno de 96 mil MHh será destinada ao sistema interligado. “O valor excedente de energia poderá ser negociado no mercado livre ou por outros contratos.”

A IBS Energy, que havia neste ano finalmente resolvido construir uma usina termelétrica a biomassa, em parceria com a gigante chinesa PowerChina, decidiu “colocar todo mundo em casa” a partir de 23 de março, segundo seu presidente, Antônio Bento. Depois de ajustes no projeto, elevando sua capacidade de 50 MW para 95 MW, a empresa e os sócios chineses estavam prontos para investir em torno de R$ 600 milhões entre a construção da unidade e aquisição de matéria-prima, principalmente eucalipto. A ideia era inscrever a usina no leilão de energia nova A-4, previsto para 28 de maio e agora postergado pelo MME.

Também em função do Covid-19, a Energik, empresa do setor de energia do grupo Unium, resultado da associação das cooperativas Frísia, Castrolanda e Capal, havia adiado de março para abril o início da operação da unidade de biometano instalada em Castro (PR), na área da Alegra, indústria de alimentos igualmente aplicada sob o guarda-chuva da Unium. A planta, equipada com uma área de recepção e tratamento de resíduos biodigestor, biorrefinaria, motogeradores e subestação de energia, tem capacidade para produzir 730 MW/h por mês, de acordo com Vinicius Guilherme Fritsch, gerente de negócios da Energik, e consumiu R$ 13,8 milhões em investimentos.

A planta aproveitará os resíduos do abate diário de 3,5 mil suínos pelo Alegra e ainda outros rejeitos da unidade de lavagem de batatas e da produção de batata frita na Castrolanda e do laticínio da Naturalle para produzir biogás com 60% de metanol e 40% de CO2. “Com a retirada do gás carbônico, da unidade e do ácido sulfúrico, obtemos um gás com 97% de metano, que será queimado no biogerador para produção de energia para venda”, afirma Fritsch. O CO2 é utilizado para atordoar os suínos antes do abate.